O homem não para de cair Orlando Franco

Convidados  António Júlio Duarte | Gonçalo Barreiros | Pedro Cabral Santo

Uma frase de Rui Nunes ecoa nesta exposição: o homem não para de cair[1]. Reconheci nela uma condição inevitável para criar a conexão entre as obras desenvolvidas nos últimos dois anos e aqui apresentadas. O homem é uma figura comum, que se repete de forma mais visível através do desenho, de forma mais indiciada através da fotografia e do vídeo. Próximas das motivações que emergem nestas obras estão as influências de duas personagens: - Sísifo e Krapp.

Sísifo, repensado por Camus, está constantemente diante da montanha, condenado a repetir uma epopeia de gestos cujo esforço tem uma objetividade e utilidade que escapam à vista. Esta ação inútil, defronta-se com a rotina de Krapp, figura beckettiana, que escuta, vez após vez, a gravação das suas memórias, numa tentativa incessante de encontrar um propósito para prosseguir e empurrar o quotidiano. O homem é o homem comum: um igual ao outro e igual ao outro, sucessivamente.

A instalação, em que a luz desempenha um papel central, é pensada como um todo: —  é ela que organiza a experiência. Três imagens de natureza híbrida, entre o desenho e a fotografia, que procuram uma qualidade fantasmática, erguidas a partir de ecos do cinema, da pintura e dos media, deixam-se atravessar pela penumbra marcando a primeira linha da exposição. São como clarões num contexto de sonho: imagens ansiosas, espectrais, provocados (ou não) pela ansiedade e pelo trauma.

Uma série de desenhos de pequena escala investiga o vulto como arquétipo para a figura humana. A presença da cor dá-se pela presença das peças em vídeo, que mostram paisagens serenas contaminadas por vibrações luminosas, provocando uma instabilidade que perturba a serenidade inicial.

De certa forma, este conjunto de obras procura linguagens plásticas distintas. Para encontrar um outro nível nesta dissonância, foi importante pensar numa presença que acentuasse esta ideia. Convidei três artistas que muito admiro, cujas obras presentes expandem este território e criam as interferências procuradas. A fotografia de António Júlio Duarte confronta-nos com uma palavra que traz luz sobre uma zona sombria. A escultura de Gonçalo Barreiros atinge-nos com o humor e o absurdo. O vídeo de Pedro Cabral Santo convida-nos a tentar um estado da atenção quase impossível sobre os gestos mínimos de um silêncio perfeito.

Por fim, o homem é o homem comum: um igual ao outro e igual ao outro, sucessivamente.  

[1] Os Olhos de Himmler, Relógio D’ Água, 2009